Doris pinta a dor, a terra nos engolindo nas guerras, a lama nos tragando em tons terrosos; os olhos jovens de Doris veem a primeira guerra, quando querem ver os romances da juventude, ao amadurecer, eles veem a segunda guerra, quando querem ver as filhas aninhadas a ela; mulher intensa, apaixonada, pinta também o belo, a paisagem, retrata muita gente, quem pede, quem ela quer, quem encontra pelo caminho; mulher que quer um mundo menos desigual.
Doris pinta paisagens, aquarelas, usa carvão, papel, madeira, não desperdiça nenhum suporte, usa frente e verso; mulher intensa, apaixonada tem a imagética de cores terrosas porque a terra permeia sua vida em muitos sentidos, ela trabalha a terra com as mãos e abandona a terra-mãe, uma, depois outra, até mudar-se de continente; mulher que quer um mundo menos desigual.
Doris é compulsiva, se não aprova a imagem, risca-a, rasura-a; tranca-se dias no atelier, sem comer, nutrindo-se de arte; mulher intensa, apaixonada, pinta nus, enaltece o sexo, conhece os prazeres femininos muitas décadas atrás e descreve-o detalhado em imagens; pinta visões, gente voando, vultos subindo, quiçá almas saindo dos corpos; mulher nascida no século XIX com cabeça de séculos à frente deste nosso; mulher que quer um mundo menos desigual.
Doris é Atlas a levar o mundo nos ombros, como seu soldado leva outro homem, este de olhos fechados para sempre, é o que seus olhos capturam pelas ruas e a paixão pela arte a salva da inexpressão, a arranca da catatonia; mulher intensa, apaixonada, pinta balões que isolam seus personagens protegidos dos males contumazes do mundo; ela produz que nem máquina cheia de sentimento para amenizar a vida de seus contempladores; mulher que quer um mundo menos desigual.
Ligia Testa