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doris homann – a pintura da condição humana

SERVIÇO

A ARTE REVOLUCIONÁRIA DE DORIS HOMANN, PELA PRIMEIRA VEZ EM CAMPINAS.

Uma artista que sobreviveu aos horrores das duas guerras mundiais e que pintou as dores, lutas e transformações de seu tempo. Uma mulher revolucionária, que conviveu com os maiores nomes da cultura europeia em sua época e deixou um legado ainda pouco conhecido no Brasil, o país que escolheu para viver com as duas filhas. Assim é Doris Homann (1898-1974), a pintora nascida na Alemanha e cuja obra será apresentada pela primeira vez em Campinas em uma exposição entre os dias 13 de agosto e 13 de setembro, na Ligia Testa Espaço de Arte, no Taquaral: DORIS HOMANN: A Pintura da Condição Humana.

A exposição, como conta a produtora Ligia Testa, vai retratar as múltiplas facetas da vida e da obra de Doris Homann, pintora, ceramista, escultura e gravurista. “O objetivo é apresentar, de forma inédita para os apreciadores da arte e público em geral de Campinas e região, uma biografia de enorme riqueza e uma obra que reflete as angústias e também as esperanças de períodos tumultuados da história da humanidade”, diz Ligia.

     A produtora nota que o evento é fruto do desejo das duas filhas de Doris Homann, Claudia e Livia, que há anos escolheram Campinas como moradia. As filhas nutriam a expectativa de promover uma exposição como tributo à vida e obra da mãe e agora o sonho será realizado. Livia, a primogênita, faleceu há poucos dias, mas participou ativamente de todo o processo de idealização, formulação e produção da exposição.

DORIS HOMANN, VIDA E OBRA

Doris Homann nasceu em Berlim, no dia 16 de maio de 1898. Nascida em família de classe média alta, a artista vivenciou infância e adolescência nos últimos momentos do Império Alemão, sob o domínio de Wilhelm II, até sua abdicação em 1918, ao final da Primeira Guerra Mundial.

      Talento precoce, Doris estudou no Konigstaatlisches Lizeum (Liceu Real) e na Academia de Belas Artes, tendo integrado o círculo de artistas reunidos em torno do escultor e pintor Otto Freundlich. Ele foi um dos nomes com obras incluídas na famigerada exposição da Arte Degenerada, assim designada por Adolf Hitler. Freundlich morreu no campo de Majdanek, na Polônia, em 1943.

     Os ideais libertários permaneceram em Doris Homann, que como outros artistas viveu um período de efervescência na República de Weimar (1918-1933). Nesta época, atuou em jornais como “Die Fran”, “Die Rote Fahne” e “Der Knüepel”, ilustrou livros e protagonizou várias exposições, individuais e coletivas, convivendo com grandes expressões da cultura como Vladimir Mayakovsky (1893-1930), George Grosz (1893-1959), Wassily Kandinsky (1866-1944)  e Kathe Kollwitz (1867-1945). As tonalidades expressionistas e surrealistas na obra de Doris Homann são tributárias dessa hora de intervalo democrático e utópico entre as duas guerras mundiais que foi a República de Weimar.

     O Café Leon, em Berlim, era um dos principais pontos de encontro da intelectualidade europeia e nele Doris passou bons momentos com o marido, o jornalista e dramaturgo Felix Gasbarra (1895-1985). Nascido em Roma, Gasbarra vivia desde os dois anos com a família na Alemanha. Ele foi colaborador de Erwin Piscator (1893-1966), um dos nomes que revolucionaram o teatro contemporâneo. Data de 1927 o primeiro “coletivo dramatúrgico” fundado por Piscator, em parceria com Gasbarra, e que teria Bertold Brecht (1898-1956) como um ativo participante.

Com a chegada de Hitler ao poder, em 1933, a situação política, econômica e social na Alemanha ficou cada vez mais insustentável e logo Doris Homann transferiu-se com as filhas e marido para a Itália. Por suas atividades, Félix Gasbarra já era considerado, a essa altura, persona non grata na Alemanha nazista. Longe do nazismo, mas bem perto da guerra, Doris presenciou em setembro de 1943 o bombardeio aliado à cidade de Frascati, onde residia com as filhas.

      A primogênita, Livia, foi a primeira a mudar-se para o Brasil e em 1948 foi a vez de Doris vir para o país com a filha Claudia. Elas passaram a viver no Rio de Janeiro, onde logo Doris foi reconhecida como grande artista. A primeira grande exposição aconteceu no final de 1950, na sede do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Inaugurado em 1943, o prédio é um marco da arquitetura moderna brasileira, tendo sido projetado por uma equipe composta por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, entre outros, sob consultoria do franco-suíço Le Corbusier. Com essas credenciais, a galeria do Ministério da Educação, onde expôs Doris Homann, foi duramente muito tempo a mais badalada na capital fluminense.

Muitas outras exposições e premiações ocorreriam e uma das últimas, em 1967, foi na Galeria Cristalpa, em Copacabana, como parte das homenagens a Herbert Moses (1884-1972), que encerrava seu longo mandato na presidência da Associação Brasileira de Imprensa. A apresentação da exposição teve a assinatura do presidente da ABI, jornalista e crítico de arte Celso Kelly, que resumiu sobre a artista: “A pintora Doris Homann Gasbarra já acumulou uma significativa obra plástica, exercitando a pintura nas mais variadas técnicas e revelando a segurança no métier, ao lado de sua vocação para o experimental e para o ilustrativo. Em algumas realizações, ainda se sente a presença do naturalismo, ao largo de generosas interpretações. Em outras, está na vizinhança da abstração e da decoração. Numas e noutras, a composição é balanceada, as cores estranhas e harmoniosas, os ritmos bem desenhados. Não será demais reconhecer aqui e ali uma tendência surrealista. Em tudo, porém, a marca da artista se verifica na força inegável de seu talento.”

SERVIÇO

EXPOSIÇÃO DORIS HOMANN: A Pintura da Condição Humana

Vernissage em 13 de agosto, às 19 horas

Exposição: até 13 de setembro, das 12h30min às 16h30min

Ligia Testa Espaço de Arte – Arqtus

Avenida Dr. Heitor Penteado, 1611, Parque Taquaral, Campinas

Informações: (19) 99792.7221

TEXTO CURATORIAL

Doris pinta a dor, a terra nos engolindo nas guerras, a lama nos tragando em tons terrosos; os olhos jovens de Doris veem a primeira guerra, quando querem ver os romances da juventude, ao amadurecer, eles veem a segunda guerra, quando querem ver as filhas aninhadas a ela; mulher intensa, apaixonada, pinta também o belo, a paisagem, retrata muita gente, quem pede, quem ela quer, quem encontra pelo caminho; mulher que quer um mundo menos desigual.

  Doris pinta paisagens, aquarelas, usa carvão, papel, madeira, não desperdiça nenhum suporte, usa frente e verso; mulher intensa, apaixonada tem a imagética de cores terrosas porque a terra permeia sua vida em muitos sentidos, ela trabalha a terra com as mãos e abandona a terra-mãe, uma, depois outra, até mudar-se de continente; mulher que quer um mundo menos desigual.

  Doris é compulsiva, se não aprova a imagem, risca-a, rasura-a; tranca-se dias no atelier, sem comer, nutrindo-se de arte; mulher intensa, apaixonada, pinta nus, enaltece o sexo, conhece os prazeres femininos muitas décadas atrás e descreve-o detalhado em imagens; pinta visões, gente voando, vultos subindo, quiçá almas saindo dos corpos; mulher nascida no século XIX com cabeça de séculos à frente deste nosso; mulher que quer um mundo menos desigual.

  Doris é Atlas a levar o mundo nos ombros, como seu soldado leva outro homem, este de olhos fechados para sempre, é o que seus olhos capturam pelas ruas e a paixão pela arte a salva da inexpressão, a arranca da catatonia; mulher intensa, apaixonada, pinta balões que isolam seus personagens protegidos dos males contumazes do mundo; ela produz que nem máquina cheia de sentimento para amenizar a vida de seus contempladores; mulher que quer um mundo menos desigual.

  Ligia Testa

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Ligia Testa

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